Lula só sai da cadeia por condução coercitiva, arrastado, talvez até algemado. Vai resistir mais pra não sair do que resistiu pra entrar
ARTIGO
Não é novidade pra ninguém que desde 2014 a Lava Jato é a mais poderosa força em atuação na cena política brasileira. A fonte desse poder todo é a energia política liberada em junho de 2013. À esquerda e à direita se disseminou um consenso anti-sistêmico que denunciava os limites e as deficiências do regime de poder forjado na redemocratização.
Corrupção, baixa qualidade de vida nas grandes cidades, precariedade nos serviços públicos, violência urbana. Ecoava um desejo de mudança, de rejeição aos partidos políticos tradicionais. Tudo isso influenciou diretamente os resultados das eleições municipais de 2016, o golpe parlamentar que, também em 2016, derrubou Dilma e as eleições presidenciais de 2018.
Essa atmosfera anti-sistêmica pariu dois filhos gêmeos, potencialmente rivais entre si, como Esaú e Jacó: o lavajatismo e o bolsonarismo, que durante algum tempo foram aliados. Não mais. Acabou o amor.
Bolsonarismo e lavajatismo entenderam que, hoje, seu grande adversário não é o PT.
Bolsonarismo e lavajatismo estão disputando o controle da energia disruptiva que foi liberada em 2013. Nessa disputa, Lula é trunfo estratégico para ambos. Vale mais solto, fazendo política, do que preso.
No começo do ano, o lavajatismo era o fiador do bolsonarismo. Moro era o superministro, maior que o próprio Bolsonaro. O jogo mudou. Muita coisa aconteceu nos últimos meses. Nas crises, o tempo passa mais rápido.
Pela primeira vez na cronologia da crise, a Lava Jato está nas cordas.
O inferno astral da Lava Jato começou em junho, com os vazamentos feitos pelo “The Intercept Brasil”. Não foram pequenos os efeitos da “Vaza Jato” na crise brasileira. Sérgio Moro perdeu capital político, tornando-se uma espécie de elefante branco, sendo diariamente desautorizado por Bolsonaro.
Bolsonaro é ingrato, não reconhece dívida com o homem que pavimentou seu caminho rumo ao Palácio do Planalto.
Na última quinta-feira, 26 de setembro, o STF impôs uma grande derrota à Lava Jato: por 7 votos a 3, a corte decidiu que o rito mobilizado pela Lava Jato é inconstitucional porque não permite que o réu conheça o conteúdo das delações premiadas antes de apresentar suas alegações finais.
Os processos que não cumpriram o devido rito devem ser anulados, o que pode beneficiar todos que foram condenados no âmbito da Lava Jato, incluindo o ex-presidente Lula.
Mas esse não foi o único revés sofrido pela Lava Jato: no Congresso Nacional há quem queira organizar a CPI da Lava Jato. A defesa de Lula pede ao STF que julgue a suspeição de Moro. Bolsonaro peitou o MP para nomear Augusto Aras para a chefia da Procuradoria Geral da República (PGR) com o objetivo explícito de colocar um freio nos bacharéis de Curitiba.
A sabatina de Aras no Senado, realizada em 25 de setembro, traduziu perfeitamente a força dessa aliança: a classe política e o bolsonarismo se uniram pra confrontar um inimigo comum. A classe política quer reparação, vingança mesmo. O bolsonarismo quer reinar sozinho como força organizadora da energia anti-sistêmica liberada por junho de 2013. Cabe a Aras coordenar o projeto por dentro do MP. A ver se o plano vai dar certo.
A Lava Jato reagiu e, com a ousadia de sempre, dobrou a aposta. Em 27 de setembro, Deltan Dallagnol, Roberto Pozzobon e Laura Tessler solicitaram ao STF a progressão da pena de Lula para o regime semiaberto.
Sim, leitor e leitora, os mesmos que há pouco tempo tentaram mandar Lula para um presídio comum, agora querem que ele vá pra casa. O pretexto ganha forma de argumento jurídico formal: como Lula já cumpriu 1/6 da pena tem direito à progressão. Como se a Lava Jato respeitasse os direitos fundamentais.
É óbvio que a soltura de Lula é gesto político, assim como a prisão foi gesto político. Tudo que envolve Lula é gesto político. Lula é a mais importante instituição política da história do Brasil.
Na guerra fratricida entre o bolsonarismo e o lavajatismo vencerá aquele que conseguir ser a mais radical antítese de Lula. Pra isso, é fundamental que Lula esteja solto, fazendo política, agrupando sua base. No outro polo do espectro político, lavajatistas e bolsonaristas disputarão na unha quem consegue capitalizar mais o ódio que parte da sociedade brasileira nutre por Lula.
Polarização total. Sem centro mediador. Lula é ativo político também pro lado de lá.
Cabe ao PT não permitir que Lula seja pintado como o representante do sistema, como o líder da “velha política”. Lula precisa ser visto como o símbolo do Estado provedor de direitos sociais. Nesta narrativa, ele é imbatível.
É óbvio que Lula percebeu a estratégia e, simplesmente, se recusou a deixar a cadeia. Bolsonaristas e lavajatistas que se matem primeiro, enquanto a crise econômica e social se avoluma, deixando a população cada vez mais mal-humorada.
Hoje, para Lula, o melhor é ficar onde está: recebendo lideranças mundiais, vencedores de prêmio nobel, dando entrevistas, lendo e assistindo Netflix. A bomba tá na mão deles. Eles governam o Brasil.
Lula só sai da cadeia por condução coercitiva, arrastado, talvez até algemado. Vai resistir mais pra não sair do que resistiu pra entrar. Definitivamente, o Brasil não é para principiantes.
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